Pesquisa do Instituto Mamirauá, WWF-Brasil e Fundação Omacha ajuda a desenhar estratégias para planejar o desenvolvimento da região, protegendo as espécies.por Jaime Gesisky
Um estudo inédito feito com os botos tucuxi (Sotalia fluviatilis) e cor-de-rosa (Inia geoffrensis), no rio Tapajós, no Pará, traz novos argumentos a serem considerados nos planos do governo de pontuar a região com barragens para usinas hidrelétricas. Somente na bacia do Tapajós, estão em processo de licenciamento doze empreendimentos hidrelétricos de grande porte.
No começo de agosto do ano passado, o Ibama negou a concessão da licença ambiental para a construção da usina de São Luiz do Tapajós, um megaprojeto hidrelétrico previsto para ser executado nos próximos anos. O principal argumento contra a autorização foram os impactos da obra sobre o povo indígena Munduruku, na área que seria atingida pela barragem.
Agora, é a vez dos pesquisadores mostrarem o que pode acontecer com as populações de botos naquele trecho do Tapajós, caso seja instalada a barragem nas corredeiras de São Luiz do Tapajós.
Enquanto a licença de São Luiz tramitava ainda em Brasília, um grupo de cientistas liderados pelas oceanógrafas Miriam Marmontel e Heloíse Pavanato, esquadrinhava o rio para saber o tamanho da população das duas espécies de boto e o que poderá acontecer se houver uma barreira que impeça o livre fluxo dos animais ao longo do rio.
As pesquisadoras são do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Endangered Species Research.
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Os botos são amplamente distribuídos nos rios da América do Sul, ocorrendo na bacia dos rios Amazonas, Orinoco e Tocantins. É a maior diversidade de cetáceos de água doce do mundo. São animais que se deslocam ao longo dos rios e dependem que estes sejam ininterruptos para exercer funções vitais básicas, como alimentação e reprodução.
De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), os dados sobre as duas espécies observadas no Tapajós no âmbito da pesquisa são “insuficientes”, o que torna difícil medir, por exemplo, os impactos de obras de infraestrutura sobre esses animais. Daí a importância do estudo no rio Tapajós para entender melhor a ecologia das espécies na região e prever possíveis impactos.
“Sabemos que os botos são muito afetados pela construção de barragens hidroelétricas. Uma barragem é um obstáculo físico instransponível, mesmo para os botos, exímios nadadores”, explica Miriam Marmontel, uma autoridade no assunto.
Segundo ela o estudo indica que o possível isolamento de subpopulações dos botos acima e abaixo dessas barragens – assim como a baixa variabilidade genética resultante destas subpopulações – podem levar a um processo de extinção desses animais no âmbito local.
“Um fato como este traria consequências drásticas para todo o sistema do rio. Os botos, por se alimentarem de peixes, estão no topo da cadeia alimentar. Então eles tem o potencial de refletir o que acontece em toda a cadeia trófica”, diz a colega, Heloíse Pavanato.
Para a oceanógrafa, o estudo aponta ainda para a importância de se olhar para a Amazônia não só do ponto de vista da floresta – que cobre a maior parte do território da região –, mas pela biodiversidade que habita os rios, que por sua vez integram um sistema complexo que ajuda a sustentar de pé a floresta tropical.
“É a primeira vez que se se faz um estudo sobre as espécies de uma bacia hidrográfica antes do processo de licenciamento de uma obra de grande porte. Os resultados poderão redirecionar os empreendimentos ou mesmo ajudar a repensar modelos de desenvolvimento para a região amazônica”, afirma Heloise.
Quanto à população dos botos, a pesquisa traz importantes achados. O Tapajós é o quarto maior rio da Amazônia, com tributários como o Teles Pires, o Juruena e o Jamanxim, todos na lista para receber empreendimentos hidrelétricos.
Neste sistema aquático, os botos apresentam baixa densidade populacional. Os dados coletados no Tapajós confirmam uma das menores médias para essas espécies em toda a bacia amazônica.
Enquanto que nos lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Mamirauá, no Amazonas, chega-se a contar 18 botos/km2, no Tapajós essa média cai para menos de um boto para uma área equivalente.
Para a coordenadora do Programa de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, esses resultados mostram que qualquer intervenção no Tapajós tenha de ser cercada de cuidados ainda maiores.
“Se afetarmos a população dos botos, que são animais que ficam no topo da cadeia alimentar e funcionam como indicadores de qualidade ambiental, poderemos desequilibrar o sistema hídrico e comprometer a biodiversidade da floresta de modo irreparável. É preciso levar isso em conta. Não é só uma questão de megawatts”.