A principal hipótese das mortes é a seca dos rios acima dos padrões já registrados e a alta temperatura da água
Por WWF-Brasil e Instituto Mamirauá
A estação de seca no Amazonas está mais severa neste ano. Mais de cem botos vermelhos e tucuxis apareceram mortos no lago Tefé (AM) e nas proximidades desde o último sábado, 23. A situação tende a se agravar já que estamos no início do período seco e a todo momento chegam mais notícias de animais mortos. Além dos botos e peixes que sofrem com a falta de oxigênio e acabam morrendo, a situação afeta diretamente os pescadores e quem sobrevive de toda a dinâmica do rio.
Em Tefé, o Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá corre contra o tempo para resgatar animais (botos e tucuxis) que ainda permanecem em poças rasas e de águas quentes para transferi-los para outros locais que ainda mantêm água fresca e profundidade mínima para manter os animais vivos. Equipes e voluntários com experiência em resgate de fauna estão se unindo à ação emergencial, porém o difícil acesso à cidade de Tefé faz com que a ação seja mais lenta que o desejado.
“O primeiro esforço é retirar os corpos dos animais mortos da água, mas com o grande número de animais mortos se tornou impossível. O translado dos botos vivos para outros rios não é seguro, pois além da qualidade da água é preciso verificar se há alguma toxina ou vírus. Estamos mobilizando parceiros para coleta e análise e outras instituições que possuem expertise em resgate de animais”, ressalta André Coelho do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
O tradicional período de estiagem que tem seu ápice em outubro, já está afetando 59 municípios com a redução do nível de água em seus rios, impactando a navegabilidade e consequentemente questões de logística e insegurança para a coleta e consumo de peixes. É esperado que a situação se agrave nos próximos 15 dias com a forte seca e acometa outras regiões do médio Solimões resultando em mais mortes de botos e tucuxis em zonas sem equipes disponíveis para resgate. Isso faz com que o evento tome proporções ainda maiores e mais impactantes em um dos locais de maior densidade e abundância de golfinhos de rio da América do Sul.
“Os estudos que realizamos com os botos amazônicos indicam que eles sofrem inúmeras pressões, como o impacto das hidrelétricas, contaminação por mercúrio, o conflito com humanos (pescadores e ribeirinhos) principalmente em atividades de pesca, considerada uma das mais graves ameaças atuais. Agora, esses pequenos golfinhos de água doce são impactados de maneira mais direta pela questão climática. Precisamos de uma ação efetiva de proteção imediata, mas a longo prazo faz-se necessário mais pesquisas para sabermos como eles são e serão afetados pelas constantes mudanças do clima e a redução dos corpos d’água”, afirma Mariana Paschoalini Frias, especialista em Conservação do WWF-Brasil
Os riscos relacionados com a falta de água tendem a se agravar com as mudanças climáticas, é o que diz o IPCC. O grupo de cientistas mapeou as tendências de mudanças e descobriu que as alterações climáticas causadas pela ação humana contribuíram para a gravidade do impacto das secas em muitas regiões do planeta. Estima-se que os riscos relacionados com a água aumentem com cada grau de aquecimento global.
Segundo o IPCC, entre 1970 e 2019, 7% de todos os desastres em nível mundial estiveram relacionados com secas, contribuindo com 34% das mortes relacionadas com catástrofes. Mas, além das vidas perdidas, pode-se dizer que a água é a principal vítima da mudança do clima. Em apenas três décadas, o Brasil já perdeu o equivalente a 10 cidades de São Paulo em superfície de água. Na última década, os nove países com floresta amazônica em seu território perderam 1 milhão de hectares de superfície de água, o equivalente a seis cidades de São Paulo em área hídrica, segundo o Mapbiomas.
O preço cobrado pela emergência climática é alto. A água é um elemento estratégico: além do quesito sobrevivência, está diretamente associada à matriz energética e à agropecuária, que foi responsável por quase metade das exportações brasileiras. Cultivar a água é a saída para uma vida econômica e ecologicamente mais segura e isso implica no enfrentamento direto às mudanças climáticas.
A natureza está dando um alerta. A emergência climática agravada pelo fenômeno do El Niño indica que teremos um cenário dramático se continuarmos no ritmo atual de aquecimento do planeta. O IPCC já alertou que, mesmo nos melhores cenários, podemos ultrapassar 1,5°C de temperatura na próxima década. Eventos como redução de rios, falta de chuva, enchentes e ondas de calor como as que afetaram o centro-sul do Brasil recentemente, podem ser a normalidade das estações.
Há uma lacuna pequena de tempo se quisermos reverter a curva do aquecimento e manter a temperatura em níveis seguros e garantir a quantidade e qualidade dos recursos naturais. Esse enfrentamento passa prioritariamente pelo desmatamento zero e pela redução do uso de combustíveis fósseis.